A Grande Fábrica de Palavras – Resenha
Calma. Respira fundo. Cereja, poeira, cadeira. Escrever sobre A Grande Fábrica de Palavras não será fácil. Vamos falar sobre um país onde as pessoas quase não falam, porque, nesse país, é preciso comprar as palavras.
Se alguém me pedisse um exemplo de como um livro infantil pode ser literatura de primeiríssima categoria, A Grande Fábrica de Palavras, de Agnès de Lestrade e ilustrado por Valeria Docampo, talvez esteja no topo da lista. Lançado na França em 2009 e editado no Brasil em 2010 pela Aletria, é bem difícil achar palavras para falar sobre este livro, com perdão do trocadilho.
Cereja
A história não é simples. Pense num desafio: Philéas é um menino que precisa dizer o que sente para Cybelle. Mas algumas palavras custam muito caro no país da Grande Fábrica de Palavras. Algumas vezes Philéas vai vasculhar o lixo para ver se encontra alguma palavra bacana jogada fora, mas geralmente encontra apenas aquelas que não valem muita coisa, como filodendro, por exemplo. Não dá pra falar nada com filodendro, convenhamos. O conflito está posto, mas o desafio maior está quando Philéas encara seu antagonista, Oscar, filho de pais muito ricos e cheio de palavras. O desfecho é primoroso, de chorar, e mostra como nem sempre o que se diz é aquilo que se sente.
Poeira
Há aqui um sub-texto, que pega os adultos pelo pé e provoca reflexões diferentes em crianças um pouco maiores. A crítica social é um pano de fundo importantíssimo na narrativa. Primeiro com a relação entre o protagonista pobre, que vê valor em cada palavrinha que tem à mão, e o antagonista rico, que esbanja seu vocabulário aos quatro ventos. Mas também nos faz pensar: para onde vão todas aquelas palavras que os moradores do país produzem, se quase todos eles não podem comprá-las? Quem constrói tanta desigualdade a ponto de silenciar uma população inteira?
Cadeira
Sem o projeto gráfico e as ilustrações, este livro não seria o mesmo. Claro que não duvido do poder da história em si, mas o traço da Valeria Docampo, a diagramação das páginas e o peso meticuloso em cada palavrinha dão uma dramaticidade ainda maior à narrativa. Altíssimo contraste, muito vermelho, marrom e preto nos jogam dentro das páginas.
Ah! Não entendeu o porquê das palavras soltas? Compra ou pede emprestado o livro e você vai descobrir o segredo 😉
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