O Amigo do Rei, de Ruth Rocha – Resenha
Há muito tempo eu queria escrever sobre O Amigo do Rei. O livro da magnífica Ruth Rocha conta a história de amizade entre Ioiô, filho de um senhor de escravos, e Matias, um menino que foi feito escravo de Ioiô. É um livro que li já adulto, na edição feita pela Salamandra, e considero importante por tratar de maneira tão direta para o público infantil um assunto tão pesado para a nossa história.
Já de início a obra nos coloca em pé de igualdade, como se nos provocasse. Apresenta Matias como um menino do tamanho do leitor. Depois apresenta Ioiô, que também tem, assim, o tamanho do leitor. E assim está posto. Partimos do princípio de que somos iguais.
Mas essas igualdades terminam por aí mesmo. É sutil a forma como Ruth Rocha faz os contrastes entre os amigos. Um nasceu na casa grande da fazenda, rodeado de mulheres negras, já o outro, nasceu na senzala, não sabe-se bem como. Brincavam como amigos brincam, mas brigavam como senhor e escravo brigam: de um lado estava quem tinha razão e, do outro, o menino negro. Era dura a vida de Matias.
Matias era mais maduro, mas consciente e mais sofrido também. Ioiô não era mau, veja bem, mas era menino branco com seus privilégios. Ioiô não acreditava – ou não podia aceitar – que Matias sonhasse em ser algo mais do que o obrigavam a ser. Só que sonho de menino não tem limite, não aceita corrente, nem pau de arara, nem chicotada. Sonho de menino é livre. A história é sobre isso.
Lendo a história com Gabriel aqui em casa, dois pontos sempre aparecem em nossos debates. O primeiro é no sentido de entender que as pessoas são muito mais do que parece e que a escravidão não é uma condição natural de qualquer pessoa. A escravidão é imposta, a duras penas, a uma gente que é, assim, do nosso tamanho. Pessoas escravizadas eram padeiros, caçadores, pedintes, meninos e meninas, inclusive reis. Eram gente como a gente. Nesse caminho é impossível não refletirmos juntos, no aconchego dos nossos cobertores, na hora de dormir, como fizemos mal a essa gente.
O segundo ponto é o de olhar como Matias foi corajoso, como ele não se deixou abater e lutou para ser livre. Mais do que isso, ao conquistar sua liberdade, passou a lutar para libertar outros tantos companheiros. Resiliência, honra e sentimento de pertencimento são os valores que trabalhamos aqui.
Amo as ilustrações da Cris Eich. Elas adicionam ainda mais poesia e conteúdo à história. Recentemente li outro livro ilustrado por ela – O pescador e suas filhas, de Cecília Meireles – e reconheci seu traço na hora. Faz uma baita diferença em relação a edições antigas que vi pela internet.
Toda segunda-feira vou publicar uma resenha de um livro infantil, ou de livros que marcaram minha infância de alguma forma. Quer sugerir algum livro para aparecer aqui? Mande um comentário ou responda às enquetes lá no Instagram @livrotecastorytime
Um comentário
Bom dia , muito bom , gostaria de ouvir sobre um livro que amo A toupeira que queria ver cometa de Rúbens Alves . Obrigada.