Livrarias e crianças: vamos falar sobre acessibilidade?
Particularmente gosto muito de entrar numa livraria e rodar pelos corredores, explorando as prateleiras de maneira mais livre. E a forma como os livros estão organizados ajudam muito nessa exploração. Não é difícil escapar das prateleiras de culinária e viagem e cair direto na literatura brasileira, por exemplo. Os quadrinhos, os livros de auto-ajuda e os livros sobre direito constitucional estão cada um em seu devido lugar.
E toda livraria tem uma seção “Infantil”, claro. E é aí onde reside o caos. Sejam um espaço diminuto (na maioria dos casos) ou generosas áreas com dinossauros de madeira e puffs convidativos, as seções infantis das livrarias tradicionais parecem que foram organizadas de forma aleatória. A própria disposição dos livros dificulta a experiência da exploração.
Além de não terem uma divisão por temática ou categoria, as áreas de literatura infantil enfrentam outro problema: livros de atividades e brinquedos. Não há nada de errado neles em si, mas quando misturados aos demais livros, atrapalham muito a percepção, seja do adulto ou da criança.
Quer ver outro ponto crítico na grande maioria do espaço infantil das livrarias? Elas têm uma TV onde, normalmente, são exibidos filmes de animação, clipes musicais infantis ou, em casos extremos, programação de TV. Isso porque muitas livrarias condicionam a seção infantil a um tipo de espaço de confinamento das crianças, enquanto os adultos fazem suas compras.
O pior, no entanto, é quando as livrarias usam a área da literatura infantil, que já é tão maltratada, como depósito para qualquer outra coisa. Chegou um lote de livros do Dan Brown e ainda não conseguimos guardar no estoque? Deixa ali naquele canto. Aquele canto, no caso, é a seção infantil. Precisamos redistribuir os títulos de romances eróticos? Por que não empilhá-los ao lado da coleção do filme Frozen? São todos casos reais! Pode acreditar.
Numa dessas vezes, o Gabriel, nosso filho, aos 7 anos, pergunta:
– Pai, o que é “Sexo sem amor”?
Gelei. Achava que ele ainda não estava nessa fase… quem sabe em 5, 6 anos a gente possa ter essa conversa, né? Mas ele tinha visto o título na lombada de um livro, numa prateleira inteira dedicada ao tema adulto, dentro da seção infantil.
Consegui sair da situação explicando como se pronunciava a palavra sexo corretamente. Ele tinha falado o som de “X” mesmo, como se fosse “secho”. Expliquei que, nesse caso, o X tem som de KS, então o certo é “sekso”. Foi o suficiente.
Mas por que estamos falando dessas coisas todas, afinal? O motivo é simples: a literatura infantil precisa estar acessível. Pensar num espaço destinado às crianças é fundamental para criar uma experiência positiva, alcançar o potencial da relação das histórias com seu público. Falamos disso porque é preciso ajudar os adultos a serem bons curadores e mediadores de leitura para crianças.
A Livroteca Story Time tem justamente esta proposta. Ser um espaço de crescimento e de transformação, acessível, e que dá o devido valor, não só ao livro infantil, mas sobretudo à criança como indivíduo.
Poucas livrarias se esforçam em prover uma boa experiência para as crianças. E não dá para transferir para os adultos e crianças – os clientes, no fim das contas – toda a responsabilidade de organizar o caos que as próprias livrarias criaram.
E ai, vamos mudar esse cenário?