Pra que serve a literatura infantil
Quando as pessoas descobrem que trabalhamos com literatura infantil – somos livreiros e escritores – não é raro que, mais cedo ou mais tarde, nos peçam dicas de leitura. E também não é raro que esses pedidos venham com um viés que acende um alerta, do tipo: “Qual livro é bom para meu filho que está fazendo xixi na cama?”, ou “Minha filha está mordendo todo mundo na escola; tem algum livro para ela parar com isso?”.
Nós entendemos essa preocupação, mas é preciso esclarecer: os livos infantis não são manuais de operações de crianças. Não existe – ou não deveria existir – um livro para ensinar a não morder, ou um livro para não fazer xixi na cama. Essencialmente, o livro infantil deve contar uma história e, sim, essas situações podem ser apresentadas na narrativa, mas não podemos atribuir a mudança do comportamento de forma mecânica e cartesiana à leitura de um livro.
A literatura, de modo geral, não pode nem deve ser puramente utilitarista. Não lemos livros para aprender modelos de comportamento. A leitura deve nos permitir elaborar, refletir e extrapolar o texto para a realidade em que vivemos e para nós mesmos, como indivíduos. A literatura, sobretudo a ficção, nos permite viver outras vidas, experimentar outros sentidos. Isso vale para adultos e para crianças, claro.
O livro infantil, no fim das contas, serve para um monte de coisas. Serve para entreter, para ampliar a visão de mundo, para estimular experiências estéticas, introduzir ao mundo das artes plásticas (falaremos sobre isso no futuro aqui no blog), para promover o sentimento de pertencimento e para introduzir problemáticas atuais (algumas universais), como questões de gênero, racismo e noções plurais de família, por exemplo. Mas não podemos atribuir à literatura infantil o papel de moldar a cabecinha dos nossos pequenos.
Mais do que uma ferramenta, o livro é um produto cultural, uma obra artística, tão múltiplo como deve ser. Não podemos subestimar a capacidade das crianças de compreender tais obras e tirar delas suas próprias conclusões. E, o mais importante de tudo, precisamos estar abertos para conversar com eles a respeito dessas conclusões.